terça-feira, 27 de junho de 2017

Parto natural x parto normal x parto humanizado: entenda as diferenças

O parto normal afastou-se completamente do seu REAL significado em consequência da prática rotineira de procedimentos inúteis ou até mesmo prejudiciais ao processo da parturição e realizadas sistematicamente, haja ou não necessidade, como numa produção industrial em série.  Transformou-se a singela experiência de "dar à luz a um bebê num parto normal", em algo associado à uma complicada manobra médica.

Todas estas expressões (parto vaginal, normal, natural, humanizado) significam primeiramente o "ato de parir por via vaginal". As diferenças vão ocorrer quando o tradicional parto normal (submetido à tantas intervenções e limitações) passa a ser conduzido como se fosse um "parto anormal", muitas vezes com maior sofrimento e repercussões desfavoráveis à mãe e ao bebê. Talvez seja esta a explicação porque tantas mulheres tenham medo de parto normal.
Foram esses aspectos que propiciaram a abertura para o conceito de "parto natural" (hoje complementado) com assistência humanizada.
Protagonismo da mulher no parto humanizado
Nascimento Amora (2017)
A mulher sente-se livre para adotar as posições mais favoráveis durante o trabalho de parto - hospital D. Joaquim, Brusque (2017)

O "parto normal" é o tradicional parto vaginal assistido em ambiente hospitalar, no qual são utilizados todos os procedimentos e intervenções protocolados como "de rotina".

Entre estes procedimentos estão: a raspagem sistemática dos pelos pubianos (tricotomia), uso da sonda vesical para esvaziar a bexiga, jejum completo de pelo menos seis horas, lavagem intestinal pré-parto (enema), punção venosa permanente, intervencionismo na assistência durante todo o trabalho de parto - tanto na administração mais liberal de recursos medicamentosos (analgésicos, anestésicos, sedativos, ocitócicos para estimular, por vezes, indevidamente as contrações) quanto nos toques vaginais repetitivos, rotura antecipada e artificial da bolsa das águas (amniotomia), episiotomia (corte no períneo) ou até mesmo a aplicação do fórceps de rotina desnecessário.
A parturiente em geral permanece deitada de barriga para cima no leito ou sobre a mesa de parto, com as pernas elevadas e apoiadas nas perneiras, sem poder caminhar ou adotar posições que lhe pareçam mais confortáveis e facilitadoras para o parto. Ademais, o ambiente cirúrgico sob ar condicionado e excesso de iluminação, a ausência de um acompanhante e a falta de privacidade, "esteriliza" o clima emocional adequado àquele tão significativo momento.
No período mais avançado do trabalho de parto, mesmo estando hoje absolutamente contraindicada, ainda se faz uso da Manobra de Kristeller, quando um dos membros da equipe faz compressão intensa do fundo uterino, na intenção de "auxiliar" a contração uterina. Sua aplicação cria sérios riscos, podendo causar rotura de órgãos como útero e fígado da parturiente.
Assim, o chamado "parto normal" deixa de ser um evento fisiológico e ocorre sob grande número de interferências como as acima mencionadas, embora muitas delas já sejam reconhecidas como desnecessárias ou mesmo prejudiciais pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Parto humanizado

O termo "Parto Humanizado" não pode ser entendido como um "tipo de parto".
"Humanizar o parto é um conjunto de condutas e procedimentos que promovem o parto e o nascimento saudáveis, pois respeita o processo natural e evita condutas desnecessárias ou de risco para a mãe e o bebê". (OMS, 2000)
A humanização proposta pela ‘humanização do parto’ entende a gestação e o parto como eventos fisiológicos perfeitos (onde apenas 15 a 20% das gestantes apresentam adoecimento neste período necessitando cuidados especiais), cabendo a obstetrícia apenas acompanhar o processo e não interferir buscando ‘aperfeiçoá-lo’.
É no início da década de 70, com a divulgação dos princípios preconizados por Frederick Leboyer, médico francês da Clínica Obstétrica de Faculdade de Medicina da Universidade de Paris, na sua obra "Por um Nascimento Sem Violência" que se passou a questionar o excesso de intervenção médica em um momento existencial que deveria ser natural, o parto e o nascimento. Através dessa nova visão e atitude mais atenciosa com o bebê na cerimônia do nascimento, lançou-se um novo olhar para a mulher que estava vivenciando tão intensa e complexa experiência. Neste momento surge o conceito do parto humanizado.
De acordo com o Manual Técnico de Assistência Pré-natal do Ministério da Saúde do Brasil- 2000, "a humanização da assistência ao parto pressupõe a relação de respeito que os profissionais de saúde estabelecem com as mulheres durante o processo de parturição" e envolve conceitos como considerar a naturalidade do parto - que não requer condutas intervencionistas -, levar em conta as necessidades, os valores individuais e os sentimentos da parturiente, reconhecendo o seu protagonismo durante toda a gestação, parto e nascimento.
Parto Natural na banqueta de parto - Nascimento da Amora, minha 4a filha (2017)

Ainda conforme o manual, seria "direito da mulher a escolha do local do nascimento e o apoio para a presença de um acompanhante que a mesma deseje, e também promover o bem estar físico e emocional durante todo o processo, desde a gestação até o nascimento, bem como aceitar a sua recusa a certas condutas que lhe causem dor ou constrangimento".
"Humanizar o parto é respeitar e criar condições para que todas as dimensões do ser humano sejam atendidas: espirituais, psicológicas, biológicas e sociais." (Largura, M.L. - 1998).
Deve-se dar o devido tempo para que a gestante entre naturalmente em trabalho de parto, evitando precipitar a chegada do bebê, ou seja, antes da 39ª semana completa, assim como respeitar o ritmo de cada nascimento, que varia para cada parto.
Desde o curso da 41ª semana, mesmo diante de uma gestação saudável, a monitorização das condições fetais deverá ser feita mais amiúde, como forma de prevenir complicações consequentes ao envelhecimento placentário (pós-datismo).
A bolsa deverá romper espontaneamente durante o trabalho de parto. Sua rotura artificial, caso se faça necessária, poderá ser realizada apenas quando o trabalho de parto estiver bem avançado, objetivando coordenar melhor a dinâmica uterina ou até mesmo para observar o aspecto do líquido amniótico - presença de mecônio - em casos em que esteja ocorrendo alteração significativa nos batimentos do coração do bebê.
A episiotomia só deverá ser realizada quando houver indicação médica precisa, no momento do expulsivo, seja para evitar que o mesmo se prolongue, seja para facilitar a realização de alguma manobra obstétrica necessária.
Compete ao bom obstetra acompanhar, estar ao lado, cúmplice, atento e não extrapolar o seu papel, pretendendo "aperfeiçoar" o que faz a natureza, lançando mão de práticas inadequadas ou que não possuem evidências para apoiar sua recomendação.
Para alívio das dores, a anestesia pode sim ser usada em um parto humanizado em ambiente hospitalar, mas sua prática não pode ser liberal, respeitando-se inclusive o desejo da mulher, caso este recurso não seja estritamente necessário. É preferível lançar mão de métodos não invasivos, mais "naturais", como banhos aquecidos (banheira ou ducha), massagens locais e técnicas fisioterápicas de relaxamento.
Participação do companheiro, apoio à gestante
Massagem para alívio de dores. Nascimento Isis (2013)


Caso não deem resultado, introduzir medicamentos que aliviem a dor, mas não interfiram na liberdade de se locomover nem na eficácia das contrações. A anestesia tem seu lugar quando houver indicação médica ou quando os demais recursos não sejam capazes de dar o suficiente conforto à mulher, impedindo-a que vivencie prazerosamente a experiência do parto.

Palavra de especialista:

Dr. Cláudio Basbaum
GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA - CRM 11665/SPRETIRADO DO SITE "MINHA VIDA"

Baseados no que foi exposto, concluo:
•             No parto humanizado, a parturiente é a protagonista e não o médico ou sua equipe
•             O obstetra tem a obrigação de deixá-la participar da experiência do parto com liberdade e lucidez (sempre que possível), tendo seu companheiro ao lado para a primeira acolhida de sua cria quando chega ao nosso mundo
•             Entender que é um momento de crise e vulnerabilidade para a mulher bem como para o casal
•             Não temos o direito de transformar desnecessariamente o mais singelo acontecimento da vida, o nascimento de um novo ser, numa complexa intervenção médica
•             É nossa tarefa enquanto médicos, entender que o parto é um processo irreversível, cuja fisiologia deve ser respeitada, acompanhada com atenção e responsabilidade, compreendendo as ansiedades e expectativas de cada mulher grávida, intervindo apenas quando houverem indicativos comprovados, baseados em evidências científicas para sua aplicação. Só assim criaremos as condições para restabelecer a naturalidade do parto, sem as desnecessárias distorções que ainda são cometidas pela medicina institucionalizada e que podem levar a profundas repercussões desfavoráveis para mãe e feto.
•             Entendo que o conceito de parto humanizado, que pratico há 40 anos, envolve obrigatoriamente o processo que se inicia desde quando a mulher sabe que está grávida, se estende por toda a gestação, atendendo com amplo respeito a fisiologia do trabalho de parto, eliminando todas as práticas rotineiras claramente prejudiciais ou ineficazes que eram adotadas no parto normal, até alcançar o momento soberano da acolhida do bebê, obedecendo os princípios do nascimento sem violência defendidos por Leboyer.

A parturiente liberta, respeitada em suas expectativas e temores, empoderada e reassegurada consegue, sim , dar à luz como antigamente, passando a ser a protagonista principal daquela vivência tão especial. Compete à equipe médica, no seu papel coadjuvante, estar ao lado, atenta e eficiente, para só agir de acordo com as REAIS necessidades determinadas pela moderna medicina baseada em evidências, com melhores resultados tanto para a mãe, como para o recém-nascido.
Foram as distorções na conduta sobre o "parto normal" (aquele parto vaginal que requeria o mínimo de intervenções) que estimularam o surgimento do conceito de "parto natural" que envolve também , sem dúvida, os princípios que definem o "Nascimento sem Violência" preconizado por Frederick Leboyer²: resgatar a naturalidade no ato de nascer. Resgatar a experiência do gerar e do parir em todos os seus aspectos, preparando a mulher emocionalmente para assumir o seu novo papel, respeitando e obedecendo a fisiologia do trabalho de parto e salvaguardando a segurança que o momento requer, sem quebrar o encanto daquela cerimônia ímpar.
É isso que entendo como "parto natural com assistência humanizada", para que se complete o círculo virtuoso da chegada de um novo ser em nosso planeta. Os benefícios do "parto natural" são inegáveis para o binômio mãe-bebê.
A mãe vivencia intensamente os tempos do parto, com mais segurança, serenidade e com significativa redução de queixas dolorosas, já que tem uma expectativa positiva de acolher o bebê em seus braços. A liberdade para caminhar e buscar a melhor posição para cada momento do trabalho de parto dá mais conforto, além de facilitar e agilizar o processo.

Benefícios para o recém-nascido

Para o recém-nascido, dentre os benefícios, podemos citar: a ligadura do cordão umbilical só após a parada de sua pulsatilidade (dando "um tempo" para que este aprenda a respirar pelos seus próprios pulmões), a melhoria dos índices de vitalidade nos primeiros minutos (Índice de APGAR), a redução de manobras como aspiração respiratória com sonda, o menor risco de doenças respiratórias e de bronco aspiração, o aconchego e amamentação no seio da mãe logo após o nascimento (que tanto facilita o vínculo afetivo entre mãe e filho, permite alimenta-lo mais precocemente, hidrata-lo e transmitir-lhe anticorpos que previnem a diarreia e a desidratação).
Contato pele à pele logo após o nascimento para melhor vínculo mãe-bebê e melhoria na lactação (nascimento Isis, 2013)

Para que uma gestante alcance seu objetivo de dar à luz através de um parto natural é importante que ela tenha um bom suporte na assistência ao pré-natal. Sempre que possível, o casal deve planejar, pensando em todas as etapas, não só da gestação, mas também sobre o parto e de como criar um filho.
O novo assusta! É o encontro com o desconhecido! É papel da equipe obstétrica conduzir o processo, desmistificando a gravidez e o parto como doença, como um estado anormal, mas ao contrário, reforçando-o como momento fisiológico que faz parte vital da condição humana. As informações antecipatórias sobre as mudanças e novidades farão com que as dificuldades sejam vividas e vencidas com muito mais facilidade, tanto durante a gestação quanto durante o trabalho de parto. Informada, utilizando seu poder de escolha e agora mais segura, a gestante/parturiente poderá viver amorosamente e com intensidade todas as fases, desde o saber-se grávida até o momento em que este amor se torna concreto, ao receber e conhecer seu bebê.
Apesar de desnecessária e não recomendável, foi realizada aspiração das vias aéreas da Isis, nascida de parto normal, como procedimento de rotina daquele hospital (Blumenau, 2013). Importante ter um plano de parto onde a parturiente expresse seus desejos e os faça respeitar.


Notas do autor
¹. dentre os quais podemos mencionar: lavagem intestinal, raspagem dos pelos pubianos, jejum, corte sistemático no períneo( episiotomia), posição deitada durante todo o trabalho, rotura artificial e rotineira da bolsa das águas, uso indiscriminado de anestésicos e medicamentos para promover a contração uterina.
². Frederick Leboyer, médico obstetra francês que revolucionou (na segunda metade do século XX) a conduta e o papel da equipe médica no trato com a mãe e o bebê, no momento do nascimento, após temporadas sabáticas na Índia. Tais condutas foram divulgadas na sua obra "Pour une Naissance sans Violence" editada no Brasil sob o título "Nascer Sorrindo".



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